O Dever da União Federal de ressarcir a demurrage.

Recentemente a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que afastou a cobrança de demurrage (sobre estadia ou, literalmente, demora) em casos nos quais a retenção dos contêineres se seu por conta de greve nos órgãos de fiscalização. A decisão analisava o ressarcimento pelo uso do contêiner por parte do importador por prazo maior que aquele previsto no contrato de transporte, isso porque, quando o armador – transportador marítimo – cede o contêiner para o importador, este tem prazo para devolvê-lo, sob pena de pagar a chamada demurrage. Ocorre que, neste caso, houve demora, além do prazo, por conta de movimento paredista da Receita Federal e a devolução do contêiner foi atrasada. No julgamento do Tribunal de Justiça de São Paulo firmou-se o entendimento de que: (…) Se o ato da autoridade não foi arbitrário, nem por isso há como atribuir a a apelante a responsabilidade pelo pagamento de despesas, porque a Receita Federal é que manteve os containers sob sua custódia. Essa questão de retenção e cobrança da demurrage deve ser objeto de ampla discussão e acertamento entre a entidade alfandegária e os agentes envolvidos na operação de importação e ou exportação, porque a retenção afasta a cobrança. A decisão judicial definiu que o importador não teve culpa na demora e, por isso, não pode ser responsabilizado pelo atraso na devolução do contêiner. Porém, também o armador não foi responsável pela demora e, por conta disso, foi deixou de utilizar o mesmo contêiner em novos contratos de transporte o que, ao fim, também é um dano. Temos acompanhado diversos julgamentos de ações promovidas por terminais de retroportuários que têm seus espaços utilizados pela guarda de contêineres com mercadorias apreendidas ou abandonadas, nos quais há a responsabilização da União Federal no ressarcimento das despesas de armazenagem. Não há outro entendimento possível senão, no caso do atraso que carreia ao armador um prejuízo pela utilização do contêiner pela Receita Federal, que não seja o de buscar o ressarcimento, usando o entendimento que já é pacífico no Tribunal Regional Federal da 3ª Região quanto ao espaço. Este entendimento é reflexo porto que, se contêiner não é embalagem de mercadoria, é sim um espaço seguro e protegido que mantém intacta e lacrada a carga, até que as Autoridades Aduaneiras concluam a fiscalização. Ainda que unitariamente o custo de uma demanda seja desalentador, a ação de demora recorrente, em vários contêineres, pode sim justificar a responsabilização financeira da União.
Justiça e o olhar da mulher

O mês de março é dedicado ao olhar da mulher em sociedade e, para quem trabalha com a Justiça, é o momento de reconhecermos e celebrarmos as mulheres que contribuem para o avanço do Direito. Hoje, é inspirador ver mulheres ocupando postos de liderança no judiciário e na advocacia, rompendo com as limitações históricas às posições auxiliares que sempre lhes eram reservadas e tomando postura de liderança, na necessária busca de equidade nos gêneros. Inexplicável, injustificável e impertinente que, mesmo nos dias de hoje, tenhamos apenas uma mulher entre os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal. Ainda que o Superior Tribunal de Justiça seja presidido pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura, a Corte tem apenas 18% de seus membros mulheres. A sub-representação feminina nesse nível de poder é um reflexo das desigualdades persistentes em nossa sociedade. Apesar de termos avançado, ainda há muito a ser feito para garantir uma representação equitativa no sistema judicial. A magistratura, no geral, é mais bem representada com 45% de juízas e isso é muito relevante. Nosso sistema judicial é focado na Justiça de Primeira Instância, na qual o julgador está perto das partes, perto da sociedade e, por isso, perto dos conflitos. Claro que esta nova estruturação por temas e ações diretas ao STF para julgamento de paradigmas retire muito da essência do direito; nosso direito ainda é feito pelo dia a dia. A advocacia, por outro lado, tem testemunhado um aumento significativo na participação feminina, com mais de 51% de advogadas atualmente e em muitos Estados da Federação, o percentual de mulheres aprovadas nos novos exames ultrapassa 70%. Ao longo dos anos, observamos de perto o trabalho árduo e dedicado de diversas colegas advogadas, que trazem uma abordagem mais humana e compassiva para a resolução de conflitos. É inspirador ver como elas buscam incessantemente por soluções que promovam a paz e a justiça, muitas vezes optando por abordagens como a Justiça Restaurativa. A atuação das mulheres na advocacia tem desempenhado um papel fundamental na transformação tanto silenciosa quanto, cada vez mais, incisiva e audível de nossa sociedade, traçando caminhos mais justos e igualitários. Texto por Rogério Miranda de Carvalho, Mariana Moutela, Nicolly Anjos e Thaynã Nascimento.
O dever de recolher Contribuição Social pelos entregadores e motoristas de aplicativo.

Na Constituição, parágrafo 5º do artigo 195, há uma regra que determina que: “Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.” Isso porque toda a Seguridade Social (previdência, assistência e saúde) é custeada pela arrecadação de Contribuições Sociais pagas pelas pessoas físicas e jurídicas na forma como está previsto no mesmo artigo 195: I- do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, (…); A universalidade de cobertura de saúde, previdência e assistência, assim, está mantida pela solidariedade entre os que pagam e os que recebem benefícios. Todos os que recebem remuneração devem contribuir para que todos possam usufruir da cobertura.Esta postagem é patrocinada por nossos parceiros Wigs Hoje temos mais de 1,5 milhão de trabalhadores por aplicativos que em algum momento precisaram de assistência de saúde, assistência social e ou aposentadoria/pensão e, se não houver contribuição – por conta da regra da contrapartida que está lá no começo – alguém pagará mais para que estes trabalhadores tenham o seu direito garantido. Claro que em alguma medida a sociedade pode decidir que uma ou outra atividade não pagará contribuições e, desta forma, as demais pagarão um pouco mais para custear àqueles que deixaram de recolher. É o que se vê, por exemplo, nos autônomos que recolhem pelas chamadas MEI (microempreendedor individual). Recolhem menos que os demais, mas tem os mesmos direitos, aplicando-se no caso outra regra constitucional que é a Capacidade Contributiva. Nem vamos nos ater à atividade perigosa dos motoboys. Segundo dados do G1, 409 morreram em 2023, o que nos faz pensar no gasto com saúde do Sistema Único de Saúde e com Pensões por Morte que devem ser pagas. Ainda que a modernização das relações de trabalho tenha criado novas formas de relações jurídicas, nenhuma atividade pode deixar de contribuir para o Sistema de Seguridade sem que comprometa as demais atividades com o agravamento do que já recolhem os atuais contribuintes.
Despesas médicas no IRPF: Desafios na comprovação das deduções.

Mesmo sendo uma matéria que já vem se pacificando junto aos julgadores, ainda causa grande confusão a exigência de comprovação do desembolso de despesas médicas no Imposto de Renda da Pessoa Física. A dedução de despesas médicas, dentárias, entre outras ligadas à saúde são admitidas para a Pessoa Física, quando há apresentação da declaração de ajustes. A questão é a forma como a Receita Federal lida com as deduções, exigindo comprovações que vão além da mera juntada de recibos. Temos vistos casos de grandes despesas médicas, geralmente decorrentes de graves problemas de saúde, que levam as pessoas a gastar valores efetivamente altos, muitos deles não cobertos pelos Planos de Saúde. Não bastasse a questão da saúde – que é preocupante por si só – a demora no processamento das declarações pode levar até 5 anos para que a Receita exija exames, comprovante de desembolsos, entre outros documentos complementares.Conforme declarado neste artigo, você pode navegar pela sua seleção de ofertas disponíveis em smartphones e marcas importantes e explorar os planos de serviço de cell phone que melhor atender às suas necessidades. A comprovação contábil do pagamento ao profissional é o recibo. Claro que um recibo revestido de formalidades mínimas, com assinatura, CPF do profissional de saúde, se possível com carimbos e papeis impressos do profissional. Mas, mesmo assim, estas despesas não são aceitas. Recentemente o CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – julgou que não é necessária a comprovação do desembolso, ainda que a Receita possa exigir alguma prova mais robusta. A decisão administrativa é um alento, posto que o custo das ações judiciais, comparado aos valores exigidos dos contribuintes, leva muitos a preferirem o pagamento (ainda que parcelado) do que efetivamente não é devido. Felizmente a Medida Provisória № 1.160/2023 não foi convalidada, pois colocava um valor de alçada (um limite mínimo) elevadíssimo para discussão no CARF, que afastava o acesso ao cidadão comum e após a Portaria MF № 504, de 01 de junho de 2023, voltou aos 60 salários-mínimos.
Descontos concedidos por atacadistas não geram PIS/COFINS ao varejista.

O Superior Tribunal de Justiça decidiu que não incide PIS/COFINS sobre os descontos dados pelos atacadistas aos varejistas. Esta decisão deverá unificar a jurisprudência dissonante dos Tribunais Regionais Federais que dão entendimentos conflitantes sobre a natureza jurídica dos descontos nas aquisições havidas dos varejistas em relação aos atacadistas. O posicionamento do STJ aponta que o desconto no preço não é receita do varejista e por isso não deverá compor a base de cálculo das contribuições. No julgamento do REsp 1.836.082, relatado pela Ministra Regina Helena Costa, a Corte decidiu que, em relação ao varejista, os descontos condicionados a contraprestações pelo adquirente devem ser classificados como redutores do custo de aquisição de mercadorias, e não como receita para incidência das contribuições sociais. Este entendimento segue a jurisprudência em relação ao ICMS e ao IPI, igualmente tributos não-cumulativos.
A inclusão das dívidas na apuração do ITCMD do Espólio.

Santos, 13 de junho de 2023. Analisando um julgado recente do E. Tribunal de Justiça, Apelação № 1058892-51.2022.8.26.0053, vê-se que a jurisprudência vem se mantendo para que o cálculo do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) também leve em conta as dívidas do Espólio. O artigo 12 da Lei № 10.705/2000, textualmente diz que não se pode deduzir as dívidas do cálculo do tributo e isso impede que os Tabelionatos – que são solidariamente responsáveis aos contribuintes – façam as escrituras de inventário sem o pagamento total do tributo. Artigo 12 da Lei № 10.705/2000 – No cálculo do imposto, não serão abatidas quaisquer dívidas que onerem o bem transmitido, nem as do espólio. Claro que estas dívidas devem estar registradas em contratos de mútuo, Declaração de Rendimentos e outros instrumentos que possam instruir a veracidade da apuração do tributo, mas a existência de dívidas, principalmente de empresários, não é tão distante da realidade de Autores de Heranças. Basicamente a análise da norma tributária paulista não pode negar vigência ao texto claro do Código Civil, posterior a ela, que regra o que é o instituto da sucessão. Além da decisão paulista, há o mesmo entendimento em outros estados (AgIn № 2000270-14.2022.8.12.0000 – TJMS, ApCiv 70071415756 – TJRS, entre vários), que afastam as leis locais que, da mesma forma que a paulista, exigem tributo sem apurar a diferença relativa às dívidas.
Modulação de efeitos de lei inconstitucional? Remédio que pode matar o paciente.

Por Rogério do Amaral Silva Miranda de Carvalho Santos, 19 de abril de 2023 MODULAÇÃO DE EFEITOS DE LEI INCONSTITUCIONAL. A modulação de efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal é uma forma de evitar distorções, no que já, por si só, é uma distorção: a existência de uma lei inconstitucional. Em decisão recente do STF sobre a norma processual que criou a modulação, houve votos contra de dois Ministros já aposentados, Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio, o que sinaliza, ainda mais, que a modulação é um foco dos futuros julgamentos. Por que a preocupação: porque modular, ou não, pode gerar ainda mais distorção ao sistema. A modulação é uma sintonia finíssima para calibrar o efeito da inconstitucionalidade, por parte do mesmo julgador que afastou a norma. A revisão da coisa julgada, por exemplo, ou a limitação à discussão da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS foram julgados que demonstram claramente a confusão que podemos ter. Na primeira não houve qualquer modulação, enquanto no outro a modulação não socorreu o contribuinte que foi prudente.
Vila dos Criadores, uma Santos doente.

O santista original é aquele caiçara que tinha como profissão a atividade primária, pesca, coleta, plantação, criação de animais, numa Santos que já era pujante, com seu mercado agitado no Paquetá, defronte à antiga Beneficência, onde se comprava e trocava de tudo, com caiçaras vindos de Ubatuba à Cananeia. Isso antes do crescimento do porto. O porto de Santos mudou a cidade, mudou a economia e mudou o santista. Agora já éramos uma cidade de profissionais do café e das atividades portuárias, que deu à pacata cidade de caiçaras uma grandeza, pelos 80 anos de prosperidade, que só se via em capitais e mesmo assim, poucas. Em Santos tínhamos a agência 2 do BANESPA (a 1 era em São Paulo), a agência 3 do Banco do Brasil (1 era na capital do país, a 2 em São Paulo), espelho de uma prosperidade. O primeiro grande time de futebol fora de uma capital, a primeira Faculdade de Direito fora de uma capital, tudo isso era Santos. Claro que falo com orgulho, porque sou parte disso: pais e mães santistas e 3 dos quatro avós também. Hoje colhemos frutos disso, IDH de “primeiro mundo”, renda per capita de primeiro mundo, mas também, e não se pode esquecer, tudo isso pela “força centrífuga” que excluiu para as periferias – de Santos e de nossas cidades vizinhas – as populações mais pobres, mais brasileiras. Todo este imenso preâmbulo foi para repensar na Vila dos Criadores, que pouco têm a ver com a pesca que nos formou como cidade, mas que está instalada sobre o antigo lixão. Sim, alguns milhares de santistas estão morando sobre o lixão, dentro de uma área portuária (segundo nosso Plano Diretor), que tem em sua vizinhança as empresas que mais pagam tributos e empregam no município, mas que só tornam a convivência, ainda que real, impossível. E estão isolados entre o mar, os trilhos da ferrovia e os dutos da Petrobras (não aprendemos nada com o desastre da Vila Socó). Então temos santistas vivendo num local que não há acesso de bombeiros e ambulâncias, por simples falta de ligação viária para a Vila. Todos aqueles anos dourados que vivemos já não são mais os mesmos. Razões cabem em um livro, mas a Vila dos Criadores está lá … com santistas vivendo sobre o lixão … convivendo com empresas imprescindíveis para nossa economia local e não resolvemos. Claro que o Poder Público Municipal tem o dever de agir, mas há responsabilidade de todos não pode ser apagada. A discussão (falaciosa) de que não há dinheiro não é bem assim. As empresas portuárias santistas têm ajustado nos últimos anos vários TRIMMC – Termos de Responsabilidade de Implantação de Medidas Mitigadoras e/ou Compensatórias – que são recursos vultosos que vão para obras públicas nas diversas áreas de nossa cidade e, justamente ali no porto, na Alemoa, onde moram as pessoas sobre o lixão, nada é feito. Pior ainda é a existência de uma decisão judicial que, agora em fase de execução de sentença (há praticamente 10 anos), manda resolver esta questão. A decisão não se cumpre, porque não há dinheiro, mas, como se vê, sim há dinheiro, dinheiro dos empresários santistas vinculado a obras que devem trazer benefícios aos santistas. O que falta para resolver o problema então? Quantos imóveis na Zona Noroeste, no Bairro Chinês, no Centro, regiões muito próximas, já foram negociados neste tempo e nada foi feito? Não se urbaniza lixão, isso é inquestionável. E mais, está claro – também pelo preâmbulo – que Santos e seu porto não existem um sem o outro. Esta área que não serve para moradia, serve para o município organizar a atividade portuária, para melhorar o trânsito ferroviário com novos entroncamentos, serve para depósito de certos bens, para instalação de fonte de energia renovável, que o triste passivo ambiental não influi em nada. Esta é mais uma das nossas Histórias que não há culpados, apenas vítimas. Ou há culpados sim, todos nós, lenientes com um problema que fazemos questão de não enxergar. Rogério do Amaral Silva Miranda de Carvalho. Professor de História e Advogado.