O santista original é aquele caiçara que tinha como profissão a atividade primária, pesca, coleta, plantação, criação de animais, numa Santos que já era pujante, com seu mercado agitado no Paquetá, defronte à antiga Beneficência, onde se comprava e trocava de tudo, com caiçaras vindos de Ubatuba à Cananeia. Isso antes do crescimento do porto.
O porto de Santos mudou a cidade, mudou a economia e mudou o santista. Agora já éramos uma cidade de profissionais do café e das atividades portuárias, que deu à pacata cidade de caiçaras uma grandeza, pelos 80 anos de prosperidade, que só se via em capitais e mesmo assim, poucas.
Em Santos tínhamos a agência 2 do BANESPA (a 1 era em São Paulo), a agência 3 do Banco do Brasil (1 era na capital do país, a 2 em São Paulo), espelho de uma prosperidade. O primeiro grande time de futebol fora de uma capital, a primeira Faculdade de Direito fora de uma capital, tudo isso era Santos. Claro que falo com orgulho, porque sou parte disso: pais e mães santistas e 3 dos quatro avós também.
Hoje colhemos frutos disso, IDH de “primeiro mundo”, renda per capita de primeiro mundo, mas também, e não se pode esquecer, tudo isso pela “força centrífuga” que excluiu para as periferias – de Santos e de nossas cidades vizinhas – as populações mais pobres, mais brasileiras.
Todo este imenso preâmbulo foi para repensar na Vila dos Criadores, que pouco têm a ver com a pesca que nos formou como cidade, mas que está instalada sobre o antigo lixão. Sim, alguns milhares de santistas estão morando sobre o lixão, dentro de uma área portuária (segundo nosso Plano Diretor), que tem em sua vizinhança as empresas que mais pagam tributos e empregam no município, mas que só tornam a convivência, ainda que real, impossível. E estão isolados entre o mar, os trilhos da ferrovia e os dutos da Petrobras (não aprendemos nada com o desastre da Vila Socó). Então temos santistas vivendo num local que não há acesso de bombeiros e ambulâncias, por simples falta de ligação viária para a Vila.
Todos aqueles anos dourados que vivemos já não são mais os mesmos. Razões cabem em um livro, mas a Vila dos Criadores está lá … com santistas vivendo sobre o lixão … convivendo com empresas imprescindíveis para nossa economia local e não resolvemos.
Claro que o Poder Público Municipal tem o dever de agir, mas há responsabilidade de todos não pode ser apagada. A discussão (falaciosa) de que não há dinheiro não é bem assim.
As empresas portuárias santistas têm ajustado nos últimos anos vários TRIMMC – Termos de Responsabilidade de Implantação de Medidas Mitigadoras e/ou Compensatórias – que são recursos vultosos que vão para obras públicas nas diversas áreas de nossa cidade e, justamente ali no porto, na Alemoa, onde moram as pessoas sobre o lixão, nada é feito.
Pior ainda é a existência de uma decisão judicial que, agora em fase de execução de sentença (há praticamente 10 anos), manda resolver esta questão. A decisão não se cumpre, porque não há dinheiro, mas, como se vê, sim há dinheiro, dinheiro dos empresários santistas vinculado a obras que devem trazer benefícios aos santistas. O que falta para resolver o problema então? Quantos imóveis na Zona Noroeste, no Bairro Chinês, no Centro, regiões muito próximas, já foram negociados neste tempo e nada foi feito? Não se urbaniza lixão, isso é inquestionável.
E mais, está claro – também pelo preâmbulo – que Santos e seu porto não existem um sem o outro. Esta área que não serve para moradia, serve para o município organizar a atividade portuária, para melhorar o trânsito ferroviário com novos entroncamentos, serve para depósito de certos bens, para instalação de fonte de energia renovável, que o triste passivo ambiental não influi em nada.
Esta é mais uma das nossas Histórias que não há culpados, apenas vítimas. Ou há culpados sim, todos nós, lenientes com um problema que fazemos questão de não enxergar.
Rogério do Amaral Silva Miranda de Carvalho.
Professor de História e Advogado.